Naval - Personagens e Obras Inesquecíveis
quinta-feira, 28 de julho de 2011
NAVAL, AMIGO INESQUECÍVEL
É controversa sua idade na terra. Tenho certeza que foram mais de 100 anos. No entender de certos filósofos indianos, cursava a 7ª reencarnação. Estava se preparando para o vestibular do Nirvana. Sempre místico. Em muitas revelações, fiquei com a impressão que tinha suas origens no Egito: fora mestre construtor de pirâmides. A exemplo de outros gênios incorporava espíritos com muita facilidade: senão como era possível explodir numa tela, com alguns segundos, um perfeito retrato de Jesus Cristo, profundo e messiânico, resultado de rápidos traços do seu bastão de carvão tinta. Merecia fazer parte do Livro dos Recordes.
Alcides Santos Coelho, o popular Naval, no decurso de uma curta e intensa convivência, passou-me profundos e sábios ensinamentos. Já nos seus últimos dias terrenos, visitei-o algumas vezes no hospital, sob os cuidados firmes e fraternos, do seu filho querido, denominado por ele de Jupa. Vibrava ao contar que formara dois filhos em brilhantes médicos: A Jussara em pediatria e o Jupa em ginecologia. Tive a alegria de comparecer à missa de formatura do Dr. Juparanã - o Jupa do Naval. Com a Jussara mantive contatos mais amiúdes, pois estava sempre preocupada com as andanças do pai.
No hospital, solícito com as enfermeiras que cuidava dele com muito carinho, fazíamos planos selecionando várias coisas que deveríamos fazer: 1) estava muito preocupado com o acervo de suas obras, depositadas no seu atelier na Klabin; 2) falava dos projetos da Ana Davis que pretendia fazer uma grande exposição das suas obras no Museu de Arte Moderna; 3) em concluir com o Jornalista José Carlos Rego, seu amigo, as obras que preparara para o Museu do Carnaval e, para colaborar com as suas preocupações, acrescentei-lhe a tarefa de, aproveitar aquele período de restabelecimento hospitalar, para registrar a história da sua vida num gravador.
Tanto o José Carlos Rego, a Marcia Nunes que nos acompanhara e eu, defendíamos a tese de que a trajetória do Naval, desde sua infância, seus traços, caminhos, vivências e superações de limites, poderia constituir uma saga exemplar para outras crianças que precisam de líderes como espelho. Combinamos, entre nós, que cada um faria uma parte. O José Carlos Rego, por sua experiência jornalística, consolidaria os depoimentos de todos nós e de outros que pudéssemos conseguir, enfim compondo o desejado documento histórico sobre a vida do Naval. Fiquei encarregado de encaminhar através do Jupa, um pequeno gravador para que Naval registrasse seu depoimento.
Era novamente uma nova vida. Como diz Chico Xavier: A vida é esperança, perseverança e disciplina, temos que ter sonhos e projetos. Cumpri o que prometi.
Dessa forma passo a relatar as minhas lembranças, tal como a Bíblia, sem critério cronológico. As recordações estão ligadas à pessoas, a locais, a insights, a ensinamentos e, principalmente, a estórias interessantes.
Meu depoimento exclue a biografia do Naval, porque deverá ser muito difundida em outros livros, só abordarei acontecimentos sensíveis, fraternos e espirituais.
Na verdade, a minha convivência com o Naval foi uma parceria fraternal, confundíamos a relação de pai-filho ou filho-pai ou ambas, dependendo de quem assumisse a liderança do conselho, do ensinamento da parábola.
Soube, por ele, que o Jupa, seu filho querido, tinha uma ponta de ciúmes de mim, pois exemplificava que se eu o chamasse, ele sem rodeios, imediatamente me atendia. Era verdade, gostávamos de estar juntos, pois alguma coisa acontece .
Invariavelmente, almoçávamos aos sábados e domingos, formando um grupo seleto de amigos e companheiros permanentes.
Foram mais de 20 anos de encontros, desencontros, papos, flagrantes, bebidas, boêmia, lugares e, muito importante, muitas pessoas.
O Naval preocupava-se em apresentar-me pessoas importantes que ele conhecia ou que fazia parte do seu meio artístico, e eu, por minha vez, trocava a mesma figurinha, convidando-o para participar de reuniões importantes fora do seu metier. Das pessoas que me apresentou, guardo com muito carinho o Jornalista José Carlos Rego que, a meu ver, exerceu um papel importante na divulgação do artista Naval. Entre nós o Naval continua vivo, por sua história, por sua obra e por seu exemplo.
Durante essas duas décadas, ele produziu para mim mais de 500 obras.
Ainda guardo no meu meio familiar algumas 50. As outras estão espalhadas no Brasil inteiro, fruto de presentes a amigos e conhecidos. Até em Tucuman, Argentina, encontrei por acaso, obra do Naval. Vários amigos, como o Jabour, o Bento Freire, o Hugo Rezende, o José Casali, o Eurico Furtado, entre outros, se tornaram seus marchands como dizia o Naval.
No Carnaval de 99 a Telerj prestou-lhe uma simpática homenagem póstuma, retratando em seus cartões telefônicos, quatro belíssimas obras do Naval, sendo 2 do meu acervo (Os Cuiqueiros e o Frevo) e 2 do José Carlos Rego (As Baianas e a Porta-bandeira).
Essa homenagem foi uma iniciativa da sua filha Jussara que dessa forma, em uma só penada, multiplicou a divulgação das obras do Naval em mais de 500.000 cartões telefônicos, perpetuando a sua interação com o povo. Por essas e outras é que se diz: A sua vida é a sua obra.
O COMEÇO DA HISTÓRIA – PARDELLAS
Recordo-me da primeira vez que encontrei o Naval. Um grupo de executivos boêmios, lá pelos idos de 1974, frequentávamos o Pardellas, preenchendo o intervalo das 17 as 20, ainda a tempo para chegar em casa e ver a novela.
Os convivas eram o Eirado, Hugo Rezende, Bento Freire, Sebastião Nery, Rodrigo de Mello Franco, Castelo Branco, Sérgio Peterzone, além de muitos outros. Todos espertos e malandros, no bom sentido.
Eu, já tava-me dizendo ter 30 anos de Lapa, pura invencionice.
Batíamos papo e bebíamos o nosso whisky. O Naval convidado participava de todas. Adorava um bom whisky, Logan de preferência. Lá e naquela ocasião, pude aprender uma nova versão da lei da procura e da oferta na formação do preço. Como economista que sou, tinha estudado o assunto na Faculdade Cândido Mendes (onde minha neta Renata estuda hoje) e também no Conselho Nacional de Economia com o meu inesquecível Professor Eng°. Mário Henrique Simonsen. O Naval chegava com os seus quadros e começava a vendê-los na segunda-feira e seguia com o seu negócio até sexta-feira; o Pardellas fechava aos sábados e domingos. O grupo de espertos combinava, entre si, como um cartel, para conspirar contra os preços do Naval. Até quinta-feira, ninguém comprava quadros do Naval, embora o tratassem com muita amizade. Lá, pelo final da tarde de sexta, o Naval ficava vendo as coisas pretas: nada de faturar, tendo que levar o dinheiro do fim de semana para cobrir a feira e pagar as despesas de casa. Sob essa pressão, baixava os preços dos seus quadros, aceitando ofertas descaradas para não ficar em branco. Desse modo, a curva do seu preço tinha um comportamento especial: começava alto na segunda-feira e atingia o ponto de equilíbrio na sexta-feira às 18h.
A exemplo de outros economistas ilustres, denominei essa curva de - Curva Depressiva dos Preços do Naval ou CDPN.
O TERRAMARES DE QUISSAMÃ
Em 1976, fui contratado pelo Hugo Rezende meu velho conhecido do faroeste do mercado de capitais do auge de 1970, para realizar um projeto de viabilidade financeira de uma cidade turística que ele, titular da Cia.Novo Horizonte, pretendia implantar em Quissamã, Distrito de Macaé, encarregando-me de agenciar os recursos financeiros para financiar aquele projeto. Novamente, reencontro o Naval participando das reuniões in vinum veritas de fim de tarde na Novo Horizonte, promovendo do mesmo modo a venda das suas obras de artes, elogiadas por todos, principalmente aquelas cujos traços representavam movimentos ou personagens: Frevo, Pierrôs, Baianas, Pipoqueiros, etc.
Nessas reuniões havia muitas personagens, principalmente jornalistas, arregimentados pelo Sebastião Nery. Nesse caldo de cultura anti-revolucionária pontificava o Naval com suas obras e suas estórias, submetido a famosa lei CDPN. Foi a partir daí que a nossa parceria teve o seu começo.
Muitos quadros foram adquiridos para presentear aos amigos e clientes da Novo Horizonte, por duas razões principais: as obras eram boas e baratas e, além disso, o Naval concedia crédito para pagar. Nunca deixou de receber, as vezes em vale alimentação. O Naval inventou o vale alimentação !
EXPOSIÇÃO NO PARÁ
O Naval mantinha relações com pessoas e autoridades da cultura do Pará, estado onde nasceu no fim do século passado ou no início deste.
Como disse no princípio, há controvérsias. Em algumas ocasiões nos reunimos na Casa do Pará, no Rio de Janeiro, a pretexto de algum encontro ou evento. Certa feita, contou-me que fora convidado pela esposa do governador da época para fazer uma exposição em Belém, integrando um conjunto de eventos culturais no Pará. Receberia tanto com despesas de viagem e estadia pagas. Deixaria o adiantamento com Da Adeiza para pagamento das despesas semanais e, logo depois, partiu.
Passados alguns meses, estávamos sem notícias do Naval. Tanto tempo fora, então, para nós, tudo estava correndo bem. Embora, no fundo, eu tivesse certa dose de preocupação. Nessa ausência, em certa tarde, surpreendentemente, recebi o telefonema da Da Adeiza, sua esposa, perguntando-me se eu tinha notícias do Alcides, forma como ela carinhosamente o tratava. Disse-lhe que também procurava saber sobre ele, mas faria contatos para localizá-lo.
Poucas vezes tive oportunidade de conversar com Da Adeiza, pois minha parceria com o Naval era recente e, ainda, não envolvia contatos familiares. Ele já me houvera contado, com certo orgulho, que sua esposa tinha sido costureira da Da Maria Teresa Goulart, Primeira-Dama, casada com o então Presidente João Goulart. A contribuição dela para a criação dos filhos Jupa e Jussara, ajudando com os serviços de costura pra fora. Durante aquela conversa telefônica, Da Adeiza aconselhou-me a ter cuidado com o Naval, porque ele enganava a idade. Ficava preocupada com as noitadas e as boêmias, porque o Alcides já tinha mais de 80 anos. E, agora, fora de casa há mais de dois meses sem dar a menor notícia, era preocupante. Da Adeiza partiu em 10/12/83, deixando seus conselhos comigo os quais procurei, na medida do possível, seguilos. O Naval reapareceu poucas semanas depois, muito satisfeito e cheio de novas estórias que ficou contando durante muito tempo. Trouxe algum dinheiro, fez novos amigos e enriqueceu o seu currículo artístíco-profissional. Parece que voltou a Belém outras vezes para cumprir tarefas semelhantes.
GINCANAS
Durante as temporadas de primavera/verão e outono/inverno, são programadas diversas gincanas artísticas no Rio de Janeiro, com pintores e a participação de artistas de todos os estágios, de estudantes a profissionais. Em geral as atividades eram iniciadas às 8h da manhã, encerrando-se às 12h. Imediatamente, logo após, um grupo de julgadores selecionava as melhores obras e as premiava mediante um critério de classificação.
O Naval se inscrevia em quase todas. Qualquer que fosse a gincana, o Naval estava lá. Havia uma, no calçadão de Copacabana, cujo concurso era desenhar a figura na areia. Com vento ou sem vento o Naval fazia sua obra. Lembro de alguns casos interessantes. Programaram uma gincana na Rua da Carioca, num determinado domingo.
O Naval me convidou e eu fui. Apanhei-o no bairro do Riachuelo, onde ele morava numa vila simpática. Chegamos ao local, eram quase 11 h.
La já estavam, desde às 8h, muitos artistas trabalhando. O Naval calmamente escolheu um lugar, montou seu cavalete e instalou a tela. Já eram quase 11h30, sacou seu precioso bastão de pintar, examinou-o e afinou-o com a elegância de um Paganini e partiu para a tela, girando alguns toques magistrais e, em poucos segundos, surgiu um Cristo maravilhoso.
Dá um retoque na coroa de espinho. Se afasta um pouco, olha e pergunta: Que tal? Ainda faltavam 10 minutos para terminar a gincana.
Tirou o 2° lugar. Reclamou, queria o primeiro. Merecia, mas os juízes acharam injusto com os demais concorrentes, que estavam suando desde cedo e o esperto Naval, em apenas alguns minutos, queria o primeiro prêmio. Quem ganhou o primeiro prêmio fui eu, tenho até hoje aquele Cristo vencedor. Depois, fomos comemorar no Mirage, afinal ninguém é de ferro e o chope dá liquidez às palavras.
Em outra ocasião, também numa gincana, o Naval estava pintando um bonde do Rio Antigo, carregado de passageiros. E já considerava seu trabalho terminado, quando um curioso resolve dar um palpite, criticando que nunca vira bonde sem passageiro atrasado correndo atrás para pegá-lo.
O Naval ponderou a observação, retomou o bastão para acrescentar mais passageiros pendurados nos balaustres e diversos retardatários correndo para pegar o bonde. Foi uma salva de palmas! Dessa feita, levou o 1° Prêmio. Mas, por pouco, o curioso deixou de ouvir a famosa advertência: Sapateiro não vá além das botas.
Deixou muitas medalhas que ganhou em concursos e gincanas: ouro, prata, bronze, estatuetas e outras.
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